02 November, 2008

a medicina sob anestesia geral..



16 de outubro de 1846 ficará para a história como a data em que se realizou a primeira intervenção cirúrgica com anestesia geral.

Naquele dia, às 10 horas, no anfiteatro cirúrgico do Massachusetts General Hospital, em Boston, o cirurgião John Collins Warren extirpou um tumor do pescoço de um jovem de 17 anos, com o doente anestesiado com éter pelo dentista William Thomas Green Morton, que utilizou um aparelho inalador por ele idealizado.
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A insensibilidade total durante o acto cirúrgico, até então, era considerada uma utopia nos meios académicos. À excepção da China, onde se usava a milenar acupuntura, os recursos utilizados para amenizar a dor no acto cirúrgico reduzia-se a extratos de plantas dotadas de acção sedativa e analgésica, além da hipnose e bebidas alcoólicas, o que não dispensava, evidentemente, a contenção fisica do doente. Na Idade Média empregava-se um método originário da Escola de Alexandria, cuja fórmula foi encontrada no mosteiro de Monte Casino. Trata-se da esponja soporífera, que se preparava com os seguintes componentes:
ópio, mode amoras amargas, sumo de eufórbia, sumo de meimendro, sumo de mandrágora, sumo de hera, sementes de bardana, sementes de alface e sementes de cicuta - uma onça de cada (28,7 g). Modo de preparar e de usar: misturar bem, colocar num recipiente de cobre com uma esponja, ferver até a evaporação total. Para usar, mergulhar a esponja em água quente por uma hora; a seguir colocá-la sob as narinas do paciente até que ele durma. Para despertar o paciente usar outra esponja embebida em vinagre.
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O primeiro passo para a anestesia geral foi dado por Joseph Priestley, ao sintetizar protóxido de azoto ou óxido nitroso em 1776.
Coube a Humphry Davy, um aprendiz de farmácia, na Inglaterra, em 1796, experimentar os efeitos da inalação do N2O. Verificou ele, que o gás produzia uma sensação agradável, acompanhada de um desejo incontido de rir (donde o nome de gás hilariante). Certa noite estava com dor de dentes e, ao inalar o gás, notou que a dor desaparecera por completo. Deduziu que, se o N2O suprimia a dor, poderia ser empregue no tratamento de outros tipos de dor. Num de seus escritos, intitulado Vapores Medicinais, sugeriu o emprego do N2O em cirurgia:
Já que o gás hilariante parece possuir a propriedade de acalmar as dores físicas, seria recomendável empregá-lo contra as dores cirúrgicas.
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Henry Hill Hickman, médico e cirurgião inglês, tinha experimentado em animais a acção do N2O, tendo verificado que podia realizar pequenas operações nos animais, sem que estes demonstrassem o menor sinal de dor. Tentou, sem êxito, obter autorização da Royal Society e da Associação Médica de Londres para repetir as experiências em seres humanos mas, a sua petição foi recebida com frieza, a autorização foi negada e ele foi considerado um visionário. Como última tentativa, escreveu ao rei da França, Carlos X, pedindo-lhe para submeter o seu projecto à consideração da Academia de Paris em 1828. A Academia deu parecer contrário, com um único voto a favor, do cirurgião Dominique Jean Larrey, que servira no exército de Napoleão e conhecia o horror dos ferimentos de guerra e das amputações. Velpeau, um dos mais eminentes cirurgiões da França, declarou na ocasião que considerava uma quimera a obtenção da insensibilidade dolorosa durante o acto cirúrgico. Desiludido, Hickman faleceu dois anos depois, com apenas 29 anos de idade, sem ver realizado o seu sonho da cirurgia sem dor.
Michael Faraday (1791-1867), físico inglês, ao estudar a liquefação dos gases e os líquidos voláteis, descobriu que os vapores de éter possuíam efeitos inebriantes semelhantes aos do Óxido nitroso. Numa nota publicada no Journal of Art and Sciences chamou a atenção para o facto da inalação de éter produzir insensibilidade total. Mas, a descoberta foi ignorada pelos meios médicos.
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Nos Estados Unidos, os efeitos inebriantes do N2O e do éter tornaram-se conhecidos e eram frequentes os espectáculos públicos de inalação de gás hilariante, assim como reuniões reservadas de inalação de éter, conhecidas como ether parties ou ether frolics. Foi num desses espectáculos de inalação de gás hilariante que Horace Wells, dentista, tomou conhecimento da propriedade do N2O causar insensibilidade. Teve, então, a idéia de o utilizar em extracções dentárias. Fez uma experiência em si mesmo, pedindo a um seu colega que lhe extraísse um dente após inalação do N2O. Não somente não sentiu dor, como experimentou uma sensação de euforia e bem-estar. Entusiasmado, dirigiu-se a Boston, onde conseguiu permissão para fazer uma demonstração perante professores e estudantes da Faculdade de Medicina de Harvard. Um estudante ofereceu-se como cobaia e a demonstração foi um fracasso. O estudante gritou de dor e Wells foi posto para fora como charlatão e impostor. Ao fazer nova tentativa na sua cidade, administrou quantidade excessiva de gás, o doente fez uma paragem respiratória e por pouco não morreu. Desanimado, abandonou suas experiências e a profissão de dentista.
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Outro dentista, de Boston, William Thomas Green Morton, tentou de novo de obter extracções dentárias sem dor e sem colocar em risco a vida do doente, substituiu o N2O por éter rectificado.
Os resultados foram surpreendentes e Morton obteve permissão para uma demonstração no Massachusetts General Hospital. Assim chegou o dia 16 de outubro de 1846.
Consta, que cena só não foi documentada fotograficamente porque o fotógrafo se sentiu mal ao presenciar o acto cirúrgico, porém foi posteriormente imortalizada num quadro do pintor Roberto Hinckley, em 1882.
Morton, que tinha praticado com sucesso extracções dentárias sem dor com inalação de éter, não revelara a natureza química da substância que utilizava, dando-lhe o nome de letheon (esquecimento). Pressionado pela Associação Médica de Boston para que novas intervenções sem dor pudessem ser realizadas, teve de revelar a composição do letheon: apenas éter dietílico puro.
Ao terminar a histórica operação que mudou o destino da Cirurgia, Warren proferiu as seguintes palavras: Daqui a muitos séculos, os estudantes virão a este Hospital para conhecer o local onde se demonstrou pela primeira vez a mais gloriosa descoberta da ciência.
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Ao N2O e ao éter seguiu-se o clorofórmio, utilizado pela primeira vez em 1847, no trabalho de parto, pelo médico inglês James Simpson. Em 1930 foi introduzido o ciclopropano e em 1956, o halotano. Paralelamente à anestesia geral por inalação, desenvolveram-se outros métodos de obter a analgesia, como a anestesia local, venosa, raquianestesia, etc. O termo anestesia (do grego an, privado de + áiszesis, sensação, sentir) foi sugerido pelo médico e poeta norte-americano Oliver Wendel Holmes. A palavra, entretanto, já existia na língua grega, tendo sido empregada no sentido de insensibilidade dolorosa, pela primeira vez, por Dioscórides, no século I dC. Em 1902, Seifert criou o termo anestesiologia, que define, actualmente, uma das mais importantes especialidades médicas.
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