03 April, 2009

hipocondria

Já fui a vários médicos, fiz montes de exames e nenhum descobre a minha doença, será incompetência, serei eu que sou hipocondríaco?
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O medo da doença é um sentimento universal, inerente à espécie humana e directamente proporcional ao grau de informação a que a sociedade tem acesso.

Há tempos referi-me aqui à cibercondria, ou seja, à procura desenfreada de justificação/diagnóstico para determinados sintomas ou queixas na net sem que essa facilidade de consulta resulte em alguma ajuda efectiva. Muito pelo contrário, o individuo vê-se perante um manancial de informação que não consegue interpretar ou interpreta geralmente da pior maneira, convencendo-se de doenças que não tem, da necessidade de exames inadequados à sua situação, ou de terapêuticas não indicadas. Há uma falsa ideia de que estão mais informados quando na realidade o que acontece é um acréscimo de angústias e uma exacerbação de medos perfeitamente legítimos mas aqui potenciados por informação não correctamente filtrada, ou mesmo errada, retirada da rede.Compreende-se assim, que este seja o terreno perfeito para o desenvolvimento de uma realidade para a qual alguém me chamou à atenção e que é o motivo deste post:
A Hipocondria.
Primeira dúvida: porque é considerada patológica, se afinal o medo da doença é um sentimento natural?

A hipocondria é um problema tão antigo que os primeiros relatos a seu respeito foram feitos por Hipócrates, o pai da medicina. A origem de seu nome está associada a queixas de dor na região do hipocôndrio, palavra grega que se refere à zona abdominal abaixo das costelas. Estima-se que 3% da população tenha alguma manifestação desse tipo.
Pode ser definida como a sensação de mal estar e até a apresentação de sintomas específicos sem que estes correspondam a uma doença real. Além da descrita dor, a outra queixa mais frequente é a "dor no peito"; depois outras perturbações frequentes são a enxaqueca, as tonturas, as palpitações, a insónia, as dores musculares, .....que podem de facto existir, mas, a preocupação com o medo de ter, ou crença de que se tem doença grave baseada na interpretação errada de sintomas físicos, persiste apesar de adequada avaliação e tranquilização médicas, além de não reconhecer que essa preocupação é excessiva ou não tem fundamento. Procura outro médico, que acaba por lhe pedir mais exames, vai por iniciativa própria a vários especialistas, e chega ao consultório com uma pasta enorme onde guarda meticulosamente todos os seus exames. Não sabe bem o que procura, apenas busca uma doença que tem a certeza que existe, ou se não existe está prestes a existir. Vai nem que seja por precaução, "nunca se sabe..."..

Todos conhecemos pessoas que se preocupam excessivamente com possíveis doenças físicas ou psíquicas, comparando o que sentem com sintomas diagnosticados noutras pessoas, imaginando que estão a desenvolver doenças semelhantes. Um batimento mais acelerado do coração é logo encarado como sinal de doença cardíaca, uma dor de cabeça olhada como potencial aviso de problemas no cérebro… Na verdade, estima-se que 10 a 20 por cento da população considerada “normal” possua estas preocupações hipocondríacas em algum momento da sua vida, particularmente em alturas de maior fragilidade emocional, sem que isto constitua a verdadeira doença hipocondríaca. [Manuela Silva-H.S.Maria].

Este medo torna-se patológico quando, como na maioria dos distúrbios psiquiátricos, se converte numa obsessão perturbadora da sua vida de relação. O problema é que para algumas pessoas a crença de que há algo errado com elas interfere no dia-a-dia, é motivo de inúmeras consultas, realização de exames, absentismo, causa angústia e até depressão convertendo-se num sofrimento real, não é um doente imaginário, mas alguém que apresenta uma verdadeira perturbação crónica, perceptiva, cognitiva e psicológica, disfunções psicofisiológicas, deterioração familiar e social, até porque, habitualmente não é levado a sério pelos profissionais de saúde nem consegue aquilo de que obviamente necessita: atenção. Normalmente, uma pessoa hipocondríaca sente-se incompreendida pelos familiares e principalmente pelo médico pelo facto de entender que tem uma doença a que o médico não dá a devida importância ou não acredita nos sintomas.
4 explicações para a hipocondria
Não se conhece a causa da hipocondria, mas são avançadas quatro teorias principais que tentam explicar esta doença:.
1 Teoria da amplificação. É a que encontra maior apoio nas investigações já realizadas. Sugere que a hipocondria resulta de um aumento das sensações corporais normais e de um desvio da atenção do indivíduo, que parece estar “desligado” do exterior e estar selectivamente atento aos seus sintomas corporais mínimos, amplificados, que são encarados como sinónimos de doença. o hipocondríaco vive num estado de permanente alerta, desviando a sua atenção do meio ambiente para si próprio e olhando de modo alarmista e interpretando erradamente cada sensação nova no seu corpo. .
2 Teoria psicanalítica: advoga que a hipocondria seria resultado de factores exclusivamente psicológicos, que as queixas físicas seriam manifestações de conflitos psicológicos relacionados com a agressividade contida, com a culpa, com a baixa auto-estima ou com a excessiva preocupação consigo mesmo.
Freud aproximava a Hipocondria à paranóia "se o paranóico se sente perseguido por inimigos localizados no mundo externo, o hipocondríaco está perseguido por seus órgãos.
Volich faz um cuidadoso levantamento do conceito na obra de Freud e dos seus seguidores. Diz ele:
Diz ele: "Muitas vezes, diante do sofrimento e da perda, entre o vazio e a palavra, o corpo vê-se convocado. Diante do outro, do médico, do terapeuta, nos pequenos e grandes sinais do corpo, na exuberância e timidez das suas formas, no silêncio e na eloquência de suas expressões, escamoteiam-se as marcas da existência humana. Inscrevem-se ali os prazeres, os encontros felizes e gratificantes, mas também as dores, as perdas, as separações mais difíceis de serem compartilhadas. Entre o real e o imaginário, inclina-se muitas vezes o corpo à exigência de conter o sofrimento indizível, de suportar a dor impossível de ser representada. A hipocondria é apenas um dos recursos do humano para lidar com as dores do drama de sua existência".
3 Teoria da aprendizagem social. Defende que o indivíduo aprende o papel de doente. As constantes atenções e cuidados que recebe quando a sua saúde está afectada levam-no a habituar-se a esse conforto e a alimentar esse tipo de situações..
4 A quarta teoria sugere que a hipocondria seria uma forma especial de uma outra doença, mascarada por outras doenças psiquiátricas, como a depressão, sendo, muitas vezes, esse o motivo da ida destes doentes às consultas de psiquiatria. ou certas perturbações da personalidade.
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Não me parece que seja possível justificar a Hipocondria apenas por uma das explicações. Ela será um misto de todas, mas o mais importante é que os profissionais de saúde a entendam como uma necessidade real de encaminhamento. Quero que com isto dizer que, não basta dizer ao doente "você não tem nada orgânico" (o que é verdade mas não o satisfaz) mas é preciso fazê-lo tomar consciência de que o próprio contexto, a hipervalorização de sintomas, o medo despropositado quando toda a investigação foi negativa, a somatização de problemas psicológicos de vária ordem, são a própria doença e que tem que ter uma parte activa na solução. Enquanto não se convencer disso. continuará a sua busca inglória de uma situação que o apavora e seguramente não deseja.

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