A primeira grande nota e a mais importante é que o Alcoolismo Crónico ou Síndroma de Dependência Alcoólica é uma doença crónica e incurável tal como todas as dependências. O que quero dizer com isto é que, apesar da pessoa conseguir controlar o seu vício, podendo até nunca mais lhe tocar, a possibilidade de recaída está sempre presente, logo, um dos piores erros que o alcoólico pode cometer é considerar-se "curado". Um "ex"-dependente, dificilmente conseguirá lidar com o álcool, ou tabaco, ou outras drogas, de forma normal ou saudável sem tender a cair de novo no excesso e na dependência. Posto isto, penso que é este o conceito que mais pode ajudar alguém que se encontra em fase de não consumo: um dependente é-o para toda a vida e é assim que deve lidar com isso.
Em relação especificamente ao alcoolismo, esta tem a desvantagem de ser uma dependência de forte aceitação social e que muitas vezes não é percebida pelos próprios nem pelos que o rodeiam. Quando confrontados, geralmente decorre um tempo razoável de negação da sua condição de dependente do álcool -"quando eu quiser, eu paro"- o que é um mecanismo de defesa natural para a preservação da auto-estima e afastamento do estigma social. Além disso, os limites entre o uso "social" e a dependência nem sempre são claros. Esta, diz-se que existe, quando a pessoa sente necessidade de beber de forma continuada (normalmente é um hábito diário sem chegar à embriaguez), e sente determinados sintomas quando deixa de o fazer. Esses sintomas, podem começar com ansiedade, nervosismo, um desejo forte de abandonar qualquer actividade em curso para beber e, se isso não acontecer, a passagem aos sintomas físicos de abstinência como a irritabilidade (a pessoa não relaxa enquanto não for "beber um copo"), o tremor das mãos, náuseas, suores, ansiedade extrema, além da sintomatologia psicótica quando há paragem abrupta por qualquer motivo (outra doença, por exemplo) e que pode levar à morte.
O que fazer?
O tratamento do alcoolismo não deve ser confundido com o tratamento da abstinência alcoólica. Ouvimos frequentemente dizer que fulano "foi internado para desintoxicação". Isto quer apenas dizer que se tratou a fase inicial e física da dependência, a que dá sintomas físicos, que é de longe o mais fácil e se consegue em meia dúzia de dias.. O mais dramático é tratar a dependência psicológica, exactamente como em qualquer outro vicio. E é bom saber que, aproximadamente 90% dos alcoólicos voltam a beber nos 4 anos seguintes à interrupção, quando nenhum tratamento é feito.
Quanto ao tratamento da abstinência física, ele é feito com base em doses altas de sedativos/neurolépticos em qualquer clínica ou hospital.
Passada essa fase, tudo se torna mais difícil e tudo depende do querer do doente, ou seja, não adianta imaginar que se trata uma pessoa que não pretende tratar-se.
Então, assumida a intenção de se tratar, é aqui que se torna fundamental o controlo mais apertado em consulta de desabituação alcoólica. O tratamento tem várias vertentes. Deverá sempre incluir os aspectos biológicos e psicossociais, tendo em conta o universo familiar, laboral e comunitário.
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Em todo o doente alcoólico devem ser investigados outros transtornos mentais em relação aos quais o álcool possa surgir como uma tentativa de auto medicação, como por exemplo a depressão ou os distúrbios de ansiedade. São, habitualmente, situações temporárias de abuso, mas, podem evoluir para a dependência crónica. Existem certos tipos de alcoolismo que são indicados para formas individuais de psicoterapia, nomeadamente aquelas em que o alcoolismo é secundário.
Além do respectivo enquadramento sócio-familiar, esta fase pode ser, também, farmacologicamente apoiada por substâncias como o Dissulfiram- uma substância sem actividade psicotrópica que inibe uma das enzimas de metabolização do álcool, provocando acumulo desse metabólito no organismo e um forte mal estar mesmo para doses pequenas de álcool (dores de cabeça latejante, náuseas, vómitos, fraqueza, falta de ar, taquicardia, palpitações, confusão mental, hipotensão..). A suspensão do consumo de álcool, quando necessário, pode ainda ser ajudada por benzodiazepinas(sedativos) de acção prolongada ou outras drogas que o médico responsável entender necessárias em cada caso particular.
Estas medidas terapêuticas devem incorporar estratégias de recuperação, reabilitação e promoção da sua reintegração no meio familiar profissional e social, uma vez que o indivíduo para se recuperar, mais do que parar de beber tem de mudar de padrões comportamentais, aprendendo a viver de forma diferente com a realidade que o cerca, exigindo-se-lhes uma maior responsabilidade pelos seus actos. O excesso de tolerância para com a "doença", transforma normalmente estes doentes em pessoas com comportamento infantilizado, irresponsável, mas ao mesmo tempo manipulador e de certo modo ditatorial; ou seja, embora pareça duro, quem os rodeia não deve -é um erro frequente- permitir-se ser usado apenas como suporte da alguém supostamente frágil e dependente. A partir de determinada altura, é preciso obrigar a um comportamento de adulto e às consequências dos seus actos.
Os grupos de auto-ajuda, são dos formatos terapêuticos mais difundidos na reabilitação. O facto de no grupo se encontrarem pessoas que têm o mesmo problema (se bem que possam estar em fases diferentes) faz com que não se sintam sozinhos ou únicos no seu sofrimento e sentimentos. Este laço que os une cria-lhes uma nova identidade, talvez mesmo o sentido de uma nova família e um sentido de solidariedade. Por outro lado, através dos indivíduos que se encontram abstinentes há mais tempo, é transmitida esperança, baseada em expectativas positivas formadas, de que o problema pode ser solucionado. Enquanto o alcoólico tratado se mantém activamente ligado ao grupo, possibilita a continuação do sucesso no seu tratamento.
Em suma, a estratégia exige um somatório de paciência e afecto usando da cautela necessária para não se deixar fazer parte do jogo manipulador tão próprio de qualquer dependente. O alcoólico é um doente mas não é deficiente nem incapaz. A família, amigos e colegas são importantes no acompanhamento, tanto evitando atitudes piedosas ou paternalismos inúteis, como modificando alguns comportamentos que tornem menos penosa a missão do doente de se abster de consumir, por exemplo, moderando(não exactamente evitar) o consumo de álcool na presença do doente. Ajudar sem confronto, mas com determinação. Principalmente, sem preconceitos ou atitudes depreciativas exageradas: um doente sem auto estima dificilmente resiste a algo indiscutivelmente mais poderoso.
Contra Capa
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