12 July, 2007

Mutilação Genital Feminina (MGF)

Porquê?

É difícil resumir em poucas palavras o significado cultural desta prática; as culturas em que ocorre são muito diversas. As razões e significados centram-se, essencialmente, em definições sociais de feminilidade e em posturas relativas à sexualidade das mulheres, por exemplo, a preservação da castidade nem sempre é o objectivo: há países em que uma rapariga pode ter uma criança fora do casamento como prova da sua fertilidade, depois sujeitar-se a mutilação genital e casar a seguir (áfrica ocidental).

Para uma mãe, numa sociedade em que existe pouca viabilidade económica para as mulheres fora do casamento, assegurar que a sua filha se sujeite a mutilação genital, enquanto criança ou adolescente, é um acto de amor com vista a garantir o casamento. Devido à natureza muito privada desta prática, a operação é realizada a pedido da família e aprovada pela sociedade como parte da sua identidade cultural, sentido de lealdade para com a família e crença num sistema de valores.
Nas comunidades onde é praticada a infibulação(em baixo), a tradição e a religião mandam que todas as mulheres se sujeitem a esta prática, mas a verdade é que a operação faz com que a mulher seja menos activa sexualmente na medida em que o coito satisfatório é quase impossível depois da infibulação. Parece significar um esforço primitivo para evitar que os "maus espíritos" entrem no corpo da mulher.
Acreditam que se deixarem crescer o clítoris o desejo sexual na mulher vai aumentar, por isso, a circuncisão é necessária no sentido de reduzir o desejo e, por conseguinte, a tentação sexual.
A vida sem sexo é considerada mais tolerável. Aqui, a prática previne a promiscuidade e mantém a virgindade. Nas sociedades agrárias, onde jovens raparigas cuidam do gado e percorrem longas distâncias para buscar água, a infibulação é considerada uma salvaguarda para proteger a honra da família. De facto, em certas sociedades, mulheres não mutiladas são consideradas sujas e não têm autorização de distribuir comida e água...
A prática também tem implicações económicas: o pai é pago se a noiva for virgem e a prova da virgindade é a infibulação. Assegura ainda, fidelidade num casamento. A re-infibulação após o parto é um meio que pretende assegurar que a mulher permaneça fiel.
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O que é a MGF?

A remoção do clitóris “Mutilação Genital Feminina” e “Circuncisão Feminina” são usadas para se referir ao mesmo fenómeno: a excisão, a clitoridectomia, a infibulação e todas as outras práticas semelhantes. Ela é comum em 28 países da África, além de regiões do Oriente Médio e da Ásia e é feita por parteiras ou por mulheres idosas da comunidade, que utilizam objectos cortantes, como lâminas ou pedaços de vidro. As meninas são submetidas a uma operação sem quaisquer tipos de anestesia e preparação sanitária ou médica, os objectos chegam a ser utilizados por diversas vezes sem que sejam esterilizados.
Em Abril de 1997, numa declaração conjunta a OMS e a UNICEF definiram a MGF como todos os procedimentos envolvendo total ou parcial remoção dos genitais femininos externos ou outras lesões dos órgãos genitais femininos por razões culturais ou outras que não-terapêuticas.

Tipo I-Clitoridectomia
Na forma mais comum deste procedimento o clítoris é seguro entre o dedo polegar e indicador, puxado para fora e amputado com um corte de um objecto afiado. O sangue é estancado através de gazes ou outras substâncias e é aplicado um penso. Os praticantes mais "modernos" aplicam um ou dois pontos na zona do clítoris para parar a hemorragia.
Tipo II- Excisão
A principal diferença é a gravidade do corte. Usualmente o clítoris é amputado e os pequenos lábios são removidos total ou parcialmente, muitas vezes com um mesmo golpe. O sangue é estancado com ligaduras ou com alguns pontos, que podem ou não cobrir parte da abertura vaginal.
Os tipos I e II correspondem geralmente a 80-85% de toda a MGF.

Tipo III- Circuncisão faraónica ou infibulação
É a forma mais extrema de mutilação, e consiste na remoção do clítoris e pequenos lábios, juntamente com a superfície interior dos grandes lábios, que são unidos através de pontos ou espinhos/picos sendo as pernas atadas durante 2 a 6 semanas. É deixada uma pequena abertura para permitir a passagem de urina e sangue menstrual (tem normalmente 2-3 cm de diâmetro, mas pode chegar a ser tão pequena como a cabeça de um fósforo).
Se a abertura-infibulação-, for suficientemente grande, a mulher poderá ter relações sexuais depois da gradual dilatação, que pode demorar semanas, meses ou, em alguns casos, tanto tempo como 2 anos. Se a abertura for demasiado pequena, tradicionalmente recorre-se à defibulação antes de se ter relações sexuais, normalmente efectuada pelo marido ou um parente feminino usando uma faca ou pedaço de vidro.
Em quase todos os casos de infibulação, é necessário recorrer a defibulação durante o parto para permitir a saída do feto e, para tal, é essencial a ajuda de uma parteira pois podem ocorrer complicações para a mãe e/ou o feto.
Tradicionalmente, a re-infibulação é feita após a mulher dar à luz. Tal é feito para criar a ilusão de virgindade, já que uma pequena abertura vaginal é culturalmente entendida como capaz de dar maior prazer ao homem. Devido aos cortes e suturas repetidos, as consequências físicas, sexuais e psicológicas da infibulação são maiores e mais duradouros do que os outros tipos de MGF.
Não é permitido às mulheres falarem sobre esse assunto o que faz com que o seu sofrimento seja silencioso.
O clítoris e os pequenos lábios são os principais órgãos femininos sensíveis a estímulos sexuais, pelo que cortar parte ou a totalidade deles irá certamente interferir, embora não necessariamente abolir, a receptividade física das mulheres a estímulos sexuais.
Todos os tipos de MGF envolvem remoção ou danificação do normal funcionamento dos genitais externos femininos e pode dar origem a um variado número de complicações físicas como hemorragias, retenção urinária e incontinência, fístulas, infertilidade e infecções (na vagina, recto, bexiga), sida (porque os instrumentos utilizados nas operações não são apropriados nem devidamente esterilizados, propagando o vírus por todas aquelas que forem sujeitas à mutilação com os mesmo objectos), hepatite B, tétano, infertilidade, complicações de parto e em último caso, a morte. Dos efeitos psicológicos, alguns incluem ansiedade, terror, humilhação e traição. Alguns especialistas sugerem que o choque e trauma da “operação” podem contribuir para os comportamentos “mais calmos” e “dóceis”, considerados características positivas em sociedades que praticam MGF sendo mesmo durante o ritual, acompanhada por uma sessão sobre o papel da mulher na sociedade.
Testemunho de uma vítima de MGF:
“Sofri mutilação genital feminina aos dez anos. A minha defunta avó disse-me então que me iam levar perto do rio para executar uma espécie de cerimónia, e que depois me dariam muita comida. Como criança inocente que era, lá fui como uma ovelha para a matança. Mal entrei no arbusto secreto, levaram-me para um quarto muito escuro e tiraram-me as roupas. Vendaram-me os olhos e despiram-me completamente. Depois, duas mulheres fortes levaram-me para o local onde seria a operação. Quatro mulheres com força obrigaram-me a deitar-me de costas, duas apertando-me uma perna cada uma. Outra mulher sentou-se sobre o meu peito para eu não mexer a parte de cima do meu corpo. Um bocado de tecido foi-me posto dentro da boca para eu não gritar. Depois raparam-me os pelos. Quando começou a operação debati-me imenso. A dor era terrível e insuportável. Enquanto me debatia cortaram-me e perdi sangue. Todos os que fizeram parte da operação estavam meios bêbados. Outros estavam a dançar e a cantar, e ainda pior, estavam nus. Fui mutilada com um canivete rombo. Depois da operação, ninguém me podia ajudar a andar. O que me puseram na ferida cheirava mal e doía. Estes foram momentos terríveis para mim. Cada vez que queria urinar, era forçada a estar em pé. A urina espalhava-se pela ferida e causava de novo a dor inicial. Às vezes tinha de me forçar a não urinar, com medo da dor terrível. Não me anestesiaram durante a operação, nem me deram antibióticos contra infecções. Depois, tive uma hemorragia e fiquei anémica. A culpa foi atribuída à feitiçaria. Sofri durante muito tempo de infecções vaginais agudas.”
Hannah Koroma, Serra Leoa.

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Sejam quais forem as razões, a MGF é antes de mais uma violação dos direitos da criança, é obsoleta para qualquer sociedade que preze os direitos humanos e traz consequências graves quer físicas quer psicológicas.
"Nenhuma razão cultural, médica ou outra poderá jamais justificar uma prática que causa tanta dor e sofrimento", "Independente da origem cultural, ela é completamente inaceitável e deve ser ilegal onde quer que aconteça."disse David Blunkett, ministro do Interior inglês em 2004.

ps- peço desculpa pela crueza e alguma violência do post, mas há coisas a que não é possível fugir...

Contra Capa

12 comments:

Isamar said...

Em tempos fiz um post sobre o mesmo tema. Só de o ler agora fiquei arrepiada e...revoltada. Sejam quais forem os objectivos da MTG ou o enquadramento cultural que a pretenda justificar é indesculpável, pela atrocidade e por ser uma violação dos direitos do ser humano.
Beijinhos

Pêndulo said...

Sem comentários além do espanto por saber que esses povos tendem a praticar isto mesmo quando emigrados na Europa.

Franco de Paula said...

Boa noite Cristina,

Simplesmente maravilhoso seu texto.

Obviamente não concordo com as práticas relacionadas ao MGF mas fica comigo uma dúvida: como podemos nos certificar de que nossa opinião a cerca desse assunto não está imbuída do sentimento ocidentalizado que nos cerca?

Nossa cultura, desde os tempos antigos, crê-se melhor do que as demais. Eu particularmente acho essa atitude um absurdo, uma selvageria, porém o que nos dá o direito de classificar o que é certo e errado? Essa pergunta na verdade vale para tudo, não apenas para o caso em questão.

Saudações desconhecidas

Anonymous said...

Fico chocada e arrepiada ao ler...
É terrivel.. como é possivel hoje em dia ainda se fazerem estas práticas?!?

Bom blogue, gostei muito!

=^.^=

Bruno Fehr said...

Eu que não sou uma pessoa, fácilmente impressionável, fiquei chocado! Apesar de já ter ouvido falar deste assunto, de como a "cirurgia" é efectuada e sobre a quantidade de mulheres mutiladas, que encontram a morte como resultado... Não fazia ideia da vulgaridade com que este crime é efectuado.

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) said...

Cara Cristina
Fix um link para o seu post... e coloquei lá uns excertos - obrigada.
Cumprimentos

Sunny said...

Já tinha lido algumas coisas sobre este assunto, no entanto, nunca me tinha pesquisado o suficiente para saber ao certo os 'porquês' e 'comos' da MGF.
Como mulher, sinto-me sinceramente revoltada e repugnada com esta prática, mas penso q qualquer pessoa com algum bom senso consegue aperceber-se da crueldade desta situação.
Claro q nós, gente ocidental, pensamos q certas culturas orientais e de outros locais do mundo são horríveis, mas penso q qualquer coisa q ponha em risco a integridade física e psicologica de outra pessoa é horrível, independentemente de ser árabe ou hindu.
Queria agradecer-lhe por postar esta informação tão detalhada sobre este tópico, ajudou-me muito a compreender o q a MGF é.

Cumprimentos,
Sara.

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) said...

Franco de Paula said..."o que nos dá o direito de classificar o que é certo e errado?"

Meu caro, é engraçado, mas o que nos dá esse "direito" e essa capacidade, é o sermos humanos: é sermos criados à imagem e semelhança de Deus. Isso quer dizer que lhe foi dada inteligência e bondade, pelas quais podemos sentir e percepcionar o que está certo e o que está errado. Porém, essa inteligência e bondade estão continuamente a ser impedidas. Primeiro pelo mal e pelas nossas grandes limitações, depois pelas nossas ideias erradas, as quais imperam na sociedade. As nossas ideias erradas vêem desse mal e das nossas limitações. Estamos cá para ir corrigindo essas ideias erradas e ir-mo-nos aproximando do Amor.

Parcos Maulo said...

Por favor... apelar ao Bom Deus para defender uma posição cultural é, no mínimo, ridículo. Tenho formação em história e apreciei, desde o início, a corrente de pensamento culturalista. Entretanto, não pude considerar de bom gosto o infame relativismo cultural que nos ata as mãos diante de práticas como a MGF. Indico para leitura os trabalhos de Bruno Latour, Walter Mignolo e Boaventura de Sousa Santos (alguns dentre os melhores) que procuram pensar o problema do universalismo ocidental x localismo cultural em novos termos. Uma prévia: aos nossos olhos essa tal de MGF é uma desgraça, agora, leia a carta do cacique Seattle e faça um exercício de empatia. O modo de vida do "cara pálida" era uma desgraça aos seus olhos. Nossa forma de nos relacionar com o meio ambiente, assim como com nossos semelhantes, é uma trajetória traçada rumo à insustentabilidade. A grande questão que se coloca é a seguinte: em que medida podemos ensinar uma melhor forma de vida aos "outros" sem estarmos comprometidos com uma revisão de nossa própria cultura? Isso demanda comprometimento, quem está disposto? O mais fácil é simplesmente impor, em nome dos bons constumes, da moral, ou do bom deus cristão (argumentos de pura justificação ideológica) o que julgamos ser Humano. O foda é que nossa "cultura", além de trabalhar com a idéia da exacerbação genital feminina desde cedo, por meio da mídia e da reprodução de estereótipos e clichês (transformando mulheres nas "popozudas" ou "cachorras"), é caracterizada por sempre tomar o caminho mais fácil! Ou seja... vamos levar os "Direitos Humanos" através da força da pólvora aos povos neo-colonizados cujos Estados não são reconhecidos por sua própria população pelo simples fato de serem arcaicas estruturas de dominação herdadas da época colonial por segmentos sociais moldados pelos valores consumistas. Ninguém possui o direito de dizer o que é certo ou errado. Essas categorias só podem ser construídas dialogicamente dentro de um quadro antropológico simétrico, a partir da tradução cultural e da constatação de que nenhuma (NENHUMA!!!!!!!) cultura é definitava e acabada, todas estão em transformação, em contato. Os rumos que tomam essas transformações dependem de como agiremos...

Centro Automec said...

Olá. alvêz seja tarde mas antes tarde...
Ao ler o texto percebo que tenho algo familiar, sou casado 11 anos e as imagens anteriores me indicam uma certa familiaridade. Seria a imagem da pratica ou mera coincidência. se possível envie-me mais detalhes, que...particularmente enviarei o que tenho para análize.

Pensem bem, sou casado a 11 anos, tenho um filhao de 4 anos , muito inteligente, perspicás e até... não sei como dizer sobre pessoa que fala o que sente mesmo sem saber o que está falando (tal como se desse uma lição de moral sobre assuntos q não lhe cabem).
Sou Tecnólogo formado na USP d Sâo Carlos Turma de 1994. Tudo o que sei, está limitado aos conhecimentos mundanos que ...
Existe algo de "diferente" ou sei lá, que eu deveria saber ou... minha esposa tem essa forma desde o nascimento, e eu estou pirando na internet, puramente por gostar de assuntos interessantes.
Peço novamente, revisem essa mensagem antes de deixá-la no ar, uma vez que estou deixando meu e-mail particular em aberto
sidneyeditor2@gmail.com
abraços
Sidney

Anonymous said...

Agora ta explicado porque muitas se suicidam,impossível viver bem com tanta dor,sofrimento e humilhação...o pior castigo que Deus pode dar a uma pessoa é faze-lo nascer mulher nessas culturas,desculpem o desabafo.

Gato de botas said...

O que eu acho muito "interessante" é que não há nenhuma citação de que estas prática é solicitada principalmente pelo islamismo (muçulmanos). Medo ou há algum outro motivo? Como denunciar um crime tão atroz e antinatural, bárbaro e sekvagem, sem indicar nenhuma vez os culpados... Se fosse praticada por outra religião, certamente seria matéria de jornais, revistas e tv... "Politicamente correta" é nossa atitude covardemente farisaica de morder e assoprar.... Que dor dessas moças!